Monday, August 30, 2010

Para que nos fez Deus?

Lembre-se disso aqui a próxima vez que você for fazer algo por alguém.

Há dois modos de responder a essa pergunta, conforme a consideremos do ponto de vista de Deus ou do nosso. Considerando-a do ponto de vista de Deus, a resposta é: "Deus nos fez para mostrar a sua bondade". Posto que Ele é um Ser infinitamente perfeito, a principal razão pela qual faz alguma coisa deve ser uma razão infinitamente perfeita. Mas só há uma razão infinitamente perfeita para se fazer alguma coisa: é fazê-la por Deus. Por isso, seria indigno de Deus, contrário à sua infinita perfeição, que Ele fizesse alguma coisa por uma razão inferior a Si. mesmo.

Talvez o compreendamos melhor se o aplicarmos a nós. Mesmo para nós, a maior e melhor razão para fazermos alguma coisa é fazê-la por Deus. Se a faço por outro ser humano - por mais nobre que seja, como alimentar um faminto - e a faço especialmente por essa razão, sem me referir a Deus de alguma forma, faço algo imperfeito. Não é uma coisa má, mas é menos perfeita. Isso seria assim, mesmo que se tratasse de um anjo ou da própria Santíssima Virgem, se prescindissem de Deus. Não existe maior motivo para fazer uma coisa que fazê-la por Deus. E isso é certo tanto para o que Deus faz como para o que nós fazemos.

A primeira razão, pois - a grande razão pela qual Deus fez o universo e nos fez a nós -, foi a sua própria glória: para mostrar o seu poder e bondade infinitos. Seu infinito poder mostra-se pelo fato de existirmos. Sua infinita bondade, pelo fato de Ele nos querer fazer participar do seu amor e felicidade. E se nos parece que Deus é egoísta por fazer as coisas para sua própria honra e glória, é porque não podemos deixar de pensar nEle em termos humanos. Pensamos em Deus como se fosse uma criatura igual a nós. Mas o fato é que não existe nada nem ninguém que mais mereça ser objeto do pensamento de Deus ou do seu amor que o próprio Deus.

-- do livro A Fé Explica de Leo Trese

Wednesday, August 11, 2010

Erro médico

Este texto eu escrevi em 16 de maio de 2007, mas como estamos em época de eleições, achei que valia a pena ressuscitá-lo. Trata-se de uma tradução comentada de um texto de Chesterton. Não deve ser surpresa para ninguém que eu sou fã desse homem já tem algum tempo. Boa leitura.

Aborto: Uma questão de saúde pública

As obras de G.K. Chesterton (1874-1936), escritor inglês, não são de fácil leitura para a pessoa comum. Seus escritos possuem todo um contexto desconhecido para o leitor moderno. Num país em que o acesso à educação é historicamente privilégio das elites, onde no século XXI a maioria ainda tem que abandonar os estudos e procurar emprego para poder comer, não tem como falar em exposição à cultura e desenvolvimento político inglês do final do século XIX e início do século XX. Além do mais, o senso de humor e brilhantismo de Chesterton são incomuns nos dias de hoje. Depois de uma certa exposição ao seu estilo, percebe-se que seus argumentos defendem de forma engenhosa o bom senso e o homem comum. E assim, acabou sendo chamado de apóstolo do bom senso. Um escritor que deveria estar na moda nos dias de hoje justamente pela falta do tão necessário bom senso na sociedade atual. A leitura das obras de Chesterton é um exercício de raciocínio crítico.

E por falar em raciocínio crítico, o ministro da saúde Temporão disse por ocasião da visita do Papa ao Brasil, que o aborto é uma questão de saúde pública e que a solução para o problema da gravidez indesejada e das mortes e males ocasionados por abortos mal feitos e inseguros seria a legalização do aborto. Ou seja, existe uma doença – gravidez indesejada – e uma cura – legalização do aborto. A doença não é, como muitos defendem, infecção e morte causados por abortos mal feitos. Estes são consequências de um tratamento ineficaz para o chamado ‘problema’. E assim, gravidez, no mundo moderno, virou doença, um problema de saúde pública. Falou-se em mais de 200 mil mulheres procurando os serviços do SUS por ano, e em mais de 1 milhão de abortamentos clandestinos anuais. O que Chesterton diria a respeito disso?

O primeiro capítulo do livro “O que há de errado com o mundo?” cujo título é "Erro Médico", parece-me ser bastante apropriado. Divirta-se e faça suas próprias comparações.

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Um livro sobre pesquisa social moderna possui uma forma que é de certo modo muito bem definida. Começa, como regra, com uma análise, estatísticas, tabelas populacionais, diminuição do crime entre os congregacionalistas, aumento da histeria entre os policiais, e fatos parecidos; e termina com um capítulo que geralmente é intitulado “a solução”. Quase que totalmente devido a este método científico sólido e cuidadoso, “a solução” jamais é encontrada. Pois este plano médico de pergunta e resposta é um erro; o primeiro grande erro da sociologia. Ele sempre determina a doença antes da cura ser encontrada. Mas faz parte da definição e dignidade humana que, em questões sociais, devemos, na verdade, encontrar a cura antes da doença.

[nota: A solução para gravidez indesejada é o aborto? A solução para aborto mal feito é aborto bem feito?]




A falácia é uma das cinquenta falácias que derivam da loucura moderna pelas metáforas biológicas ou corporais. É conveniente falar de um organismo social, da mesma forma que é conveniente falar do “leão britânico”. Mas a [Grã]Bretanha é um organismo tanto quanto é um leão. A partir do momento que começamos a dar a uma nação a unidade e a simplicidade de um animal, começamos a pensar selvagemente. O fato de todo homem ser um bípede, não faz de cinquenta homens um centípede. Este tipo de coisa tem produzido, por exemplo, o grande absurdo de se falar perpétuamente sobre “nações jovens” e “nações velhas”, como se um país tivesse um tempo de vida físico fixo. Assim, o povo vai dizer que a Espanha entrou na senilidade final; e podem até dizer que a Espanha está perdendo todos os seus dentes. Ou vão dizer que o Canadá logo produzirá obras literárias; o que é o mesmo que dizer que o Canadá em breve terá um novo bigode. Os países são compostos de pessoas; e a primeira geração pode estar decrépita, ou a décima milésima pode ser vigorosa. Aplicações parecidas desta falácia são feitas por aqueles que vêem no aumento das posses nacionais, um simples aumento em sabedoria e estatura, como prova de estar sob o favor de Deus e do homem. De fato, estas pessoas usam menos as sutilezas de fazer paralelo com o corpo humano. Elas nem mesmo perguntam se um império está mais alto na sua juventude, ou se está mais gordo na idade avançada. Mas de todos os exemplos de erros em decorrência desta fantasia física, a pior é a que temos diante de nós: o costume de descrever exaustivamente um mal social, e depois propor um remédio social.

[nota: A gravidez indesejada deve ser considerada um mal social?]



Agora, nós, de fato, falamos primeiro sobre a doença nos casos de um colapso corporal; e fazemos isso por uma razão excelente. Porque, embora possa haver dúvidas sobre como o corpo ficou todo quebrado, não há dúvidas sobre o aspecto e condição que este deve voltar a ter . Nenhum médico propõe introduzir um novo tipo de homem, com uma nova disposição dos olhos ou dos membros. O hospital, por necessidade, pode mandar uma pessoa de volta para casa com um uma perna a menos: mas não enviará (num êxtase criativo) esta pessoa para casa com uma perna a mais. A ciência médica está satisfeita com o corpo humano normal, e só procura restabelecê-lo.

[nota: o produto da concepção é um resultado natural do funcionamento do corpo humano ou é um mal-funcionamento que necessita ser consertado?]





Mas a ciência social nem sempre está satisfeita com a alma humana normal; e tem todo tipo de alma a venda. O homem, como um idealista social, irá dizer: “Estou cansado de ser um puritano, quero ser pagão”, ou: “Depois desta provação do Individualismo vejo o paraíso do Coletivismo”. Agora, nos males físicos não existe nenhuma destas diferenças sobre o ideal final. O paciente pode ou não querer tomar quinino; mas com certeza quer saúde. Ninguém diz: “Estou cansado desta dor de cabeça; quero um pouco de dor de dente”, ou: “A única coisa contra esta gripe russa é um pouco de sarampo alemão”, ou “Apesar da experiência sombria deste catarro, eu vejo o paraíso brilhante do reumatismo”. Porém, toda a dificuldade de nossos problemas públicos é que alguns homens estão visando curas que outros homens consideram as piores doenças; estão oferecendo condições últimas como condições de saúde que outros descomprometedoramente chamam condições de doença. O sr. [Hilaire] Belloc disse uma vez que se desfaria da idéia da propriedade da mesma forma que de seus dentes; contudo, para o sr. Bernard Shaw, a propriedade não é um dente, mas uma dor de dente. Lord Milner tentou sinceramente introduzir a eficiência alemã; e muitos de nós logo estaríamos dando as boas vindas ao sarampo alemão. Dr. [Caleb] Saleeby gostaria honestamente de ter eugenia; mas eu preferio ter reumatalgia.

[nota: o aborto é uma cura ou uma doença muito pior?]



É este o fato dominante e cativante sobre a discussão social moderna; que a disputa não é meramente sobre as dificuldades, mas sobre o objetivo. Concordamos sobre o mal; é sobre o bem que devemos nos descabelar. Todos admitimos que uma aristocracia preguiçosa é uma coisa ruim. Não devemos de forma alguma admitir que uma aristocracia ativa seria uma coisa boa. Ficamos irritados com um sacerdócio descrente; mas alguns de nós ficaria com náuseas diante de um verdadeiramente religioso. Todo mundo fica indignado caso nosso exército seja fraco, incluindo as pessoas que ficariam ainda mais indignadas se fosse forte. O caso social é exatamente o oposto do caso médico. Nós não discordamos, como os médicos, sobre a exata natureza da doença enquanto concordamos sobre a natureza da saúde. Pelo contrário, todos concordamos que a Inglaterra está doente, mas metade de nós não olharia para ela e enxergaria aquilo que a outra metade chamaria de saúde próspera. Os abusos públicos são tão salientes e irritantes que colocam todas as pessoas generosas numa espécie de unanimidade fictícia. Esquecemos que, enquanto concordamos sobre o abuso das coisas, devemos discordar bastante sobre o seu uso. O Sr. [George] Cadbury e eu concordaríamos sobre o ‘pub’ ruim. Seria precisamente em frente de um bom ‘pub’ que nossas brigas pessoais aconteceriam.

[nota: Concordamos que a ocorrência de gravidez indesejada de forma desenfreada é um mal?




Eu mantenho, portanto, que o método sociológico comum é totalmente inútil: o de primeiro dissecar a pobreza miserável ou de catalogar a prostituição. Todos nós não gostamos da pobreza miserável; mas pode ser uma outra coisa se começarmos a discutir a pobreza independente ou decente. Todos nós desaprovamos a prostituição; mas nem todos aprovam a castidade. A única forma de discutir o mal social é alcançar imediatamente o ideal social. Todos podemos ver a loucura nacional; mas o que é sanidade nacional? Eu intitulei esse livro “O que há de errado com o mundo?” e o resultado do título pode ser fácilmente e claramente afirmado. O que está errado é que não perguntamos o que está certo.

[tradução livre: What’s wrong with the world?, The medical mistake – G.K. Chesterton]

Wednesday, August 4, 2010

A verdade sobre Educação

Mais Chesterton para vocês. Dessa vez o artigo foi tirado do livro O que Está Errado com o Mundo. Muito embora ele faça referências aqui a certos personagens a nós desconhecidos (bom, falo por mim, não sei a extensão cultural de todos aqueles que vão ler este texto), é possível entender a idéia que ele quer passar. Boa leitura.

Quando um homem é convidado a escrever o que ele realmente pensa sobre educação, uma certa gravidade lhe aperta e enrijece a alma, o que poderia ser confundido com a idéia superficial de desgosto. Se é verdade que os homens estão enjoados de palavras sagradas e cansados de teologia, se essa irritação irracional comum contra "dogma" surgiu de fato por um excesso absurdo de tais coisas entre os sacerdotes no passado, então imagino que estamos deixando uma bela produção de calão para deixar nossos descendentes enjoados. Provavelmente, a palavra "educação" um dia parecerá tão sem propósito e tão antiga como a palavra "justificação" hoje em um fólio Puritano. Gibbon achou assustadoramente engraçado que as pessoas tivessem brigado sobre a diferença entre "Homoousion" e Homoiousion". Chegará a época em que alguém vai rir ainda mais ao pensar que os homens bramiram contra a Educação Sectária e também contra a Educação Secular; e que os homens de destaque e posição realmente denunciaram as escolas por ensinar um credo, e também por não ensinar uma Fé. As duas palavras gregas de Gibbon são bastante parecidas, mas elas realmente significam coisas completamente diferentes. Fé e credo não são parecidos, mas querem dizer exatamente a mesma coisa. Acontece que credo é fé em latim.

Agora, depois de ter lido inúmeros artigos de jornais sobre educação, e até mesmo escrito uma boa parte deles, e tendo ouvido a discussão interminável e ensurdecedora ao meu redor quase desde que eu nasci, sobre se a religião era parte da educação, sobre se a higiene era parte essencial da educação, sobre se o militarismo era incompatível com a verdadeira educação, eu, naturalmente, ponderei muito sobre este substantivo recorrente, e tenho vergonha de dizer que foi relativamente tarde na minha vida que eu enxerguei o principal fato sobre isso.

Naturalmente, o principal fato sobre educação é que não existe tal coisa. Ela não existe, como a Teologia ou Militarismo. Teologia é uma palavra como Geologia, a vida militar é uma palavra como soldagem, estas ciências podem ser saudáveis ou não como hobbies, mas lidam com rochas e chaleiras, com coisas definidas. Porém educação não é uma palavra como geologia ou jarros. Educação é uma palavra como "transmissão" ou "herança", não é um objeto, mas um método. Deve significar a transmissão de determinados fatos, opiniões ou qualidades, até o último bebê que nascer. Eles podem ser os fatos mais triviais ou as opiniões mais absurdas ou as qualidades mais ofensivas, mas se são transmitidos de uma geração para outra, são educação. Educação não é uma coisa como teologia, não é uma coisa inferior ou superior, não é uma coisa na mesma categoria de termos. Teologia e educação estão para si como uma carta de amor está para o Correio. O sr. Fagin foi tão educativo como Dr. Strong, na prática, provavelmente, mais educativo. Significa dar algo - talvez veneno. Educação é tradição, e tradição (como o nome indica) pode ser traição.

Esta verdade primeira é francamente banal, mas é tão perpetuamente ignorada na nossa prosa política que precisa ser esclarecida. Um menino em uma pequena casa, filho de um pequeno comerciante, é ensinado a tomar seu café da manhã, a tomar seu remédio, a amar seu país, a fazer suas orações, e a usar suas roupas de domingo. Obviamente Fagin, se encontrasse um menino assim, iria ensiná-lo a beber gin, a mentir, a trair seu país, a blasfemar e usar bigode falso. Mas assim também o sr. Salt, o vegetariano, aboliria o desejum do rapaz, a sra. Eddy jogaria fora o remédio dele, o conde Tolstoi iria repreendê-lo por amar seu país, o sr. Blatchford o faria parar com suas orações, e o sr. Edward Carpenter, teoricamente censuraria seu traje dominical, talvez, todo tipo de roupa. Eu não defendo qualquer um desses pontos de vista avançados, nem mesmo de Fagin. Mas eu pergunto o que, entre muitos desses, foi feito da entidade abstrata chamada educação. Não é (como comumente se supõe) que o comerciante ensine educação mais cristianismo, o Sr. Salt, educação mais vegetarianismo; Fagin, educação mais crime. A verdade é que não há nada em comum entre estes educadores, exceto que eles ensinam. Em suma, a única coisa que eles compartilham é a única coisa a qual professam ter aversão: a idéia geral de autoridade. É singular que as pessoas falem em separar dogma da educação. Dogma é realmente a única coisa que não pode ser separada da educação. Dogma é educação. Um professor que não seja dogmático é simplesmente um professor que não ensina.