Saturday, January 30, 2010

Inculturação pode dar certo?

Grata aos amigos que testaram e apoiaram. Vamos lá, então. O assunto é longo.

Continuando, lembrando que o texto é do (na época) Cardeal Ratzinger.

Isto só pode verdadeiramente fazer sentido se o relacionamento entre a fé cristã e essa outra religião  (juntamente com sua cultura viva) não for um relacionamento de estranheza absoluta, se houver, ao invés, uma certa abertura interior, de um para com o outro, entre si; ou, falando de outra maneira, se a tendência a se aproximar e a se unir for, em qualquer situação, parte de sua natureza.


Desta forma, a inculturação supõe a potencial universalidade de cada cultura. Ela parte do princípio de que é a mesma natureza humana que opera em todas elas e que a humanidade vivente possui uma verdade comum dentro desta natureza humana que aponta para a união.


Ou seja, a intenção de inculturação só faz sentido se não se causar nenhum dano `a cultura porque, através da direção comum conferida pela verdade da humanidade, ela (a cultura) se abre e é ainda mais desenvolvida por uma nova força cultural. Quaisquer elementos em qualquer cultura que excluam tal abertura e troca cultural representam aquilo que é inadequado naquela cultura, porque a exclusão do que é diferente é contrário à natureza humana.


O grau de desenvolvimento de uma cultura se mostra na sua abertura, na sua capacidade de dar e receber, na sua capacidade de se desenvolver ainda mais, de se deixar ser purificada e assim se tornar melhor adaptada `a verdade e `a humanidade.


Neste momento podemos tentar dar algo como que uma definição de cultura. Poderíamos dizer: Cultura é a forma social de expressão, desenvolvida ao longo da história, daquelas experiências e julgamentos que deixaram suas marcas numa comunidade dando-lhe forma.


Consideremos agora mais de perto os elementos individuais desta definição, para que possamos ser capazes de entender melhor os possíveis intercâmbios entre as culturas, pois é a isso que o termo "inculturação" deve se referir.



  1. Em primeiro lugar, cultura tem a ver com percepções e valores. É uma tentativa de entender o mundo e a existência do homem nele; uma tentativa, contudo, não de natureza puramente teórica, mas sim guiada pelo interesse fundamental de nossa existência. Este entendimento é para nos mostrar como agir como seres humanos, como o homem toma seu lugar próprio no mundo e como responde `a ele, para assim se tornar melhor, para viver uma vida bem sucedida e feliz. Esta questão, por sua vez, nas grandes culturas, não se refere só ao indivíduo, como se cada pessoa pudesse arranjar para si um padrão para lidar com o mundo e nele viver. Cada um só pode fazer isso com a ajuda dos outros; a questão correta é, pois, uma questão que diz respeito `a estruturação adequada da comunidade. Isto, por sua vez, é o pré-requisito para que a vida de cada indivíduo seja bem sucedida. Cultura tem a ver com entendimento, que é uma percepção que abre o caminho para a ação prática, isto é, uma percepção cuja dimensão de valores, de moralidade, seja uma parte indispensável. Devemos acrescentar só mais uma coisa, que teria sido evidente para o velho mundo: Em qualquer questão referente ao homem e o mundo, a questão sobre a Divindade está sempre inclusa como questão preliminar e de fato, básica. Ninguém é capaz que entender o mundo completamente, ninguém consegue viver sua vida de forma adequada, enquanto a questão sobre a Divindade continuar sem resposta. De fato, o âmago das grandes culturas é que elas interpretam o mundo pondo em ordem seu relacionamento com o Divino.

Continua...